Durante entrevista concedida nesta quarta-feira (2) à TV Bahia, em Salvador, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva fez críticas ao Congresso Nacional, afirmando que decisões parlamentares estão favorecendo interesses restritos de grupos econômicos, em detrimento da maioria da população. A fala ocorreu após a derrubada, por parte do Legislativo, do decreto presidencial que previa o aumento das alíquotas do Imposto sobre Operações Financeiras (IOF).
O chefe do Executivo justificou a iniciativa de acionar o Supremo Tribunal Federal (STF) para contestar a decisão do Congresso.
“Se eu não entrar com um recurso no Poder Judiciário, se eu não for à Suprema Corte, ou seja, eu não governo mais o país. Esse é o problema. Cada macaco no seu galho. Ele [Congresso] legisla, e eu governo”, afirmou.
Segundo Lula, o objetivo da medida era promover um ajuste fiscal mais justo, sem prejudicar áreas essenciais como saúde e educação.
“Nós não estamos propondo aumento de imposto, nós estamos fazendo um ajuste tributário nesse país para que os mais ricos paguem um pouco para que a gente não precise cortar dinheiro da Educação e da Saúde. Houve uma pressão das bets, das fintechs, eu não sei se houve pressão do sistema financeiro. O dado concreto é que os interesses de poucos prevaleceram dentro da Câmara e do Senado, o que eu acho um absurdo”, completou.
O presidente ainda declarou que houve quebra de acordo por parte do presidente da Câmara, Hugo Motta, que colocou a votação do decreto em pauta sem aviso prévio. Segundo Lula, a decisão contrariou um entendimento com o governo para discutir medidas compensatórias. Apesar do impasse, ele descartou qualquer crise institucional.
“O presidente da República não rompe com o Congresso, o presidente da República reconhece o papel que o Congresso tem. Eles têm os seus direitos, eu tenho os meus direitos. Nem eu me meto no direito deles nem eles se metem no meu direito. E, quando os dois não se entenderem, a Justiça resolve”, afirmou.
Lula defendeu o direito do Executivo de editar decretos, especialmente em temas fiscais.
“O presidente da República tem que governar o país e decreto é uma coisa do presidente da República. Você pode ter um decreto legislativo quando você tem alguma coisa que fira muito a Constituição, o que não é o caso. O governo brasileiro tem o direito de propor IOF, sim”, declarou.
Em Salvador para as comemorações do 2 de Julho, Dia da Independência da Bahia, Lula seguirá ainda hoje para Buenos Aires, onde participa da Cúpula do Mercosul. Em seguida, estará no Rio de Janeiro para liderar a Cúpula do Brics. Ele prometeu retomar o diálogo com o Congresso após esses compromissos.
“Quando eu voltar, eu, tranquilamente, vou conversar com o Hugo, com o [presidente do Senado] Davi Alcolumbre e vamos voltar à normalidade política nesse país”, disse.
Na véspera, a Advocacia-Geral da União (AGU) apresentou uma ação declaratória de constitucionalidade ao STF, sob relatoria do ministro Alexandre de Moraes. A iniciativa foi feita a pedido de Lula e com base em parecer técnico-jurídico do órgão.
O decreto questionado previa o aumento do IOF sobre operações de crédito, seguros e câmbio, com o intuito de ampliar a arrecadação e cumprir metas do novo arcabouço fiscal. A maioria dos parlamentares, no entanto, rejeitou o aumento, defendendo cortes de despesas obrigatórias como alternativa.
Durante a entrevista, Lula criticou a proposta de desvinculação dos pisos constitucionais da saúde e educação, que garantem recursos mínimos para essas áreas.
“Como é que você pode falar em corte de gasto, de despesa, querendo mexer na educação?”, questionou.
O Ministério da Fazenda defendeu a medida como necessária para corrigir distorções no sistema tributário e evitar cortes em políticas públicas. Segundo a equipe econômica, o decreto buscava atingir setores que hoje são pouco tributados.
Lula defendeu uma alternativa para o equilíbrio fiscal: reduzir isenções fiscais de forma linear.
“Você sabe qual foi a proposta que eu fiz? É que a gente possa cortar 10% linear em todos os benefícios fiscais. Você sabe quanto que tem de isenção e desoneração nesse país? Sabe quanto que se deixa de pagar imposto nesse país? R$ 860 bilhões. Se você tirar 10% linear, o cara que tem 100% vai ficar com 90%. Ele vai continuar rico. Vai continuar tendo benefício. E você não precisa cortar dinheiro da educação ou da saúde”, argumentou.
“Nós temos que cortar em quem tem gordura, temos que fazer uma bariátrica em quem tem muita gordura para que a gente possa atender as pessoas mais necessitados”, complementou.
Entre os pontos principais do decreto estavam o aumento da CSLL para as empresas de apostas online (de 12% para 18%) e para fintechs (de 9% para 15%), igualando-as aos bancos. O texto também previa a taxação de investimentos isentos de IR, como LCI e LCA.
Mesmo antes da rejeição do decreto, o governo já havia publicado uma medida provisória (MP) em junho, com medidas similares, atendendo a demandas do Congresso. A MP inclui o aumento de tributos para bets e investimentos isentos, além de cortes de R$ 4,28 bilhões em despesas obrigatórias. Ainda assim, o decreto acabou sendo revogado pelo Legislativo.