Por: Iago Seo
Inteligência artificial generativa (IAG) irá prejudicar a arte clássica e acabar com os artistas? Esse debate tem realçado os ânimos de dois anos para cá, especialmente em 2023 nos Estados Unidos. Por lá, a batalha chegou até os tribunais em defesa dos direitos autorais. A IAG cria sem intervenção humana peças de arte a partir de coleta de dados existentes na internet.
O grande embate está nesta última. Em uma ponta, os artistas sentem-se lesados por parte das empresas, responsáveis pela criação do “banco de dados de imagens”, por utilizarem suas produções sem consentimento. Em contrapartida, as empresas se apoiam na tese de que “na arte nada se cria, tudo se copia”, e as IA são um avanço de produção nesse sentido.
Nas redes sociais, artistas compartilham histórias de como a IAG os fez perderem a renda. O próprio Museu Mauritshuis de Haia, na Holanda, causou repulsa ao exibir obras geradas por IAG inspirada na obra “Moça com Brinco de Pérola”, de Vermeer.
“A DeepAI forneceu a arte de IA para a exposição do Museu do Futuro no World Government Summit de 2018 em Dubai. O Primeiro Ministro da Índia, Narendra Modi, foi o convidado de honra do evento, e o governante de Dubai, Sheikh Mohammed, também esteve presente. Assim, líderes mundiais veem a IA como o futuro da arte”, disse Stephen Gibson ao Jornal Mais Bragança. Stephen é CEO da DeepAI, um dos mais populares geradores de imagem generativa por IA do mundo.
Entre discordâncias, argumentos e contra-argumentos, o avanço tecnológico permitiu às sociedades ouvirem músicas diretamente dos seus fones, e, mesmo assim, milhares de pessoas ainda pagam para assistir um show ao vivo. Eis o impagável preço pelo trabalho humano, aquele apreciado e demandado por quem o demanda: a sociedade.
“A Torre Eiffel foi inicialmente ridicularizada como “Um Poste de Rua Trágico.” A arte moderna ainda é fortemente criticada, com alguns simplesmente chamando-a de ‘lixo.’ Desfiles de moda podem estar longe de serem considerados de bom gosto, com roupas extravagantes que não seriam vistas fora de uma passarela ou festa à fantasia”,continuou Gibson.
E para os artistas clássicos?
No mesmo sentido das perspectivas de Gibson, a artista internacional Tiffani Gyatso, nascida em Cotia e com obras expostas em Nova Iorque, nos contou diretamente da Escócia o que ela percebe nesse cenário.
Tiffani enquanto artista, pondera a questão: por que eu crio? O que me move? Por que eu busco arte? Com esses questionamentos, a artista busca as motivações que levam o indivíduo a consumir determinado produto artístico.
“Muitas pessoas estão subestimando o valor que tem esse processo criativo [do fazer]. Está se focando muito no produto final; na obra final. Será que seremos apenas testemunhas da arte, e vê-la como entretenimento ou só uma forma estética? Como artista, se trata do que eu estou buscando ao se fazer a arte”, disse Tiffani.
Ela segue ponderando que a produção das IAG aborda um certo processo criativo na criação das artes geradas pelos códigos do computador, mas que apesar disso, é muito limitado em relação à criatividade humana. “A gente pode até brincar, que é algo novo, estamos curiosos…Mas ele não é ‘visceral’, ele não suja minha mão. Ou, ao invés de pôr tinta na tela, colocar café, aí tomo a tinta, etc”, brincou.
Na mesma linha, o CEO da DeepAI complementou: “Na maioria das vezes, as pessoas inserem comandos relativamente simples, e o gerador de IA preenche a maior parte dos detalhes. Esses detalhes estão relacionados a apenas frações de um por cento da linha de pensamento de qualquer artista original, e a qualquer comando mínimo fornecido pelo usuário. Em contraste, se um artista está criando arte manualmente, sua linha de pensamento e habilidade para implementá-la é tudo o que importa.”
O que preocupa de fato é…
Com isso a artista se expressou que, o que mais a preocupa, é a intenção das pessoas ao utilizarem a IA, não necessariamente a ferramenta. Pelo contrário, para ela, a ferramenta expressa um ‘avanço tecnológico inevitável’, e que é comum na arte haver choques de realidades dessa forma.
“Eu não desvalorizo o que está acontecendo, porque nada deve ser fixo. Tudo que é fixo morre, e vai contra a ideia do orgânico. A vida orgânica está sempre em movimento. Talvez seja uma fase de transformação que a gente não sabe o que vai acontecer”. Com isso ela quis dizer que projetos de existência fixos geram culturas e formas de viver estéreis, e que o desenvolvimento das IA venha para facilitar certos aspectos da vida. Mesmo assim, enquanto artista, ela preza pelo meio do que pelo fim, e que tais meios para fins obtusos possam ser prejudiciais em certas instâncias.
Tiffani reforça, analogamente ao Gibson, que a subjetividade da arte permite que as IAG explorem a beleza das coisas. O CEO ainda ponderou que as produções generativas são produções artísticas, no sentido que é uma nova forma de criação que apela aos sentimentos: “Muitas vezes, as pessoas rejeitam coisas simplesmente porque são diferentes. Galileu afirmar que o sol era o centro do universo foi considerado heresia, não ciência”.
Tirar o desconforto não é natural
Tiffani finaliza, abordando sobre o desconforto humano. Isto é, a facilitação de certos processos tornam a natureza humana flácida. Para ela, a busca do ser humano, pelas distintas razões, é a busca pela estabilidade psicológica nas coisas. Apesar da tecnologia ter trazido segurança e conforto, a essência mais elevada das coisas trouxe ao ser humano uma superficialidade das coisas, tornando o mundo mais cinza. Essa superficialidade afasta o relacionamento das pessoas com a raiz da realidade.
A artista finaliza com a consideração ‘pendular’ sobre o processo do avanço humano. De tempos em tempos, mudanças surgem, as pessoas caminham para seus extremos, e ficam vagando entre o conforto e o desconforto. Com isso, o avanço tecnológico das IAG não afetam a artista, e nem o processo de criação distinto dela. Ela sabe o valor do seus trabalhos, como diversos outros artistas sabem, ou pelo menos deveriam por assim saber.